Os
pentecostais dirão que é o momento da oração por cura, com sinais e maravilhas.
Os neopentecostais dirão que é o momento das ofertas (!). Os conservadores
dirão que é a adoração ou a pregação da Palavra. Confesso que durante mais de
trinta anos acreditei que o momento da mensagem era o mais sagrado do culto, quando
Deus fala por meio do pregador. O próprio Spourgeon, considerado o “príncipe
dos pregadores” fez menção do púlpito como “o lugar mais sagrado depois do
Trono de Deus”. Um mínimo de conhecimento da história eclesiástica nos leva a
entender o importantíssimo papel do púlpito em salva guardar a sã doutrina e a
pureza do “kerigma”. De uns anos para cá passei a suspeitar desse pensamento e
a questionar se realmente é o que a Bíblia diz.
Que dizem as Escrituras?
Se
formos honestos em nosso exame das Escrituras, teremos que admitir que o sermão
(ou a mensagem) tal qual o entendemos hoje, como uma peça manufaturada, com
introdução, tese, divisões, conclusão, aplicação e apelo, não parece ter o peso
que os teólogos modernos lhe outorgaram. Se tomarmos como ponto de partida o
ministério de Jesus, veremos que seus sermões ocorriam conforme a necessidade.
Eram espontâneos, abertos a colocações dos ouvintes e até indagações. No
demais, como Rabi, ficava no meio de uma roda de “alunos” e ali compartilhava
assuntos do cotidiano e respondia perguntas. Geralmente, após dar respostas às
indagações capciosas aos fariseus, Jesus empreendia um discurso que trazia luz
e revelação sobre o assunto em questão. Porém, não trazia notas ou esboços.
Falava do púlpito do seu coração.
Que diz a história?
Durante
a história da igreja, temos mais recursos para presumir que o sermão era o
ponto alto das reuniões devido aos sermões de Pedro, de Estêvão e de Paulo. Posteriormente,
os pais apologistas, com suas brilhantes obras em defesa da fé, contribuíram em
muito para o desenvolvimento do atual “sermão de três pontos”, tido como algo
sagrado nos meios conservadores. Os grandes avivamentos, tanto na Europa quanto
nos EUA, foram dirigidos por eloquentes pregadores e seus sermões que se
transformaram em obras de referência até os dias atuais. Seria também uma
grande falha não nos lembrarmos de Billy Graham, o “evangelista do século XX” e
suas mensagens inflamadas pregadas nos quatro cantos da Terra. Mas tudo isso,
mesmo sendo história, não altera o fato de que o sermão pode não ser o ponto
alto de um culto ou reunião cristã.
Culto ou reunião?
A
expressão “culto” parece não ser de
origem cristã, visto que os termos hebraico e grego (Ìabowdah
e latreia) referem-se a “serviço prestado”. A expressão “culto”
parece ter origem no paganismo e provavelmente
foi incorporada à igreja cristã após a Reforma do século XVI, numa espécie de
substituição à Missa. O que vemos na prática cristã é a expressão “sunerchomai” (1ª Co 11:18) e “episunagoge” (Hb 10:25) , ambas
referindo-se à “uma reunião”, como as de serviço, de amigos ou de família. Na
verdade, em reuniões menores, o sermão perde sentido, sendo que, o que fala
expõe um assunto de modo informal, aberto a debate, firmando suas opiniões num
texto comum: a Bíblia.
Mudar? Mas... agora?
Não
acho que devemos abolir nossas reuniões dominicais ou eliminar por completo a
pregação de nossa liturgia. Isso pioraria a situação que já é ruim. Creio que o
que podemos fazer, em curto prazo, e assumir a grande verdade: o sermão não
pode, nem deve ser considerado o ponto alto do serviço prestado à Deus no
domingo, e sim, a manifestação do Espírito. Como assim? “ O sermão é tão central que
muitos cristãos vão a igreja por causa dele. Na verdade, todo culto é julgado
pela qualidade do sermão. Pergunte a alguém como foi a igreja no último domingo
e provavelmente receberá uma resposta
descrevendo a mensagem” (*) .
Deus
manifestando-se estre seu povo deveria ser o ponto alto do culto e não a
pregação, e isso pode ocorrer no início, no meio ou no fim da reunião. Deus
pode manifestar-se durante a pregação, ou durante a oração final, ou durante os
louvores, mas não é porque o pastor é o presidente da igreja e o detentor da
palavra, que necessariamente Deus se manifestará unicamente por meio dele. A
liberdade do Espírito deve ser preservada, pois o que não é feito no Espírito
não merece ser feito.
A centralidade da Palavra.
Ter
a Palavra de Deus, a Bíblia, como centro gravitacional do ensino na igreja não
significa necessariamente que o serviço dominical prestado à Deus tenha que ter
a pregação como ponto alto. A Escola Dominical se presta ao ensino e deve ser
fortalecida cada vez mais no meio evangélico. Classes pequenas, com, no máximo
vinte alunos, num círculo, debatendo temas atuais ou estudando um livro da
Bíblia, são excelentes oportunidades de centralizar a Palavra, Mas o culto
dominical não deve ser uma homilia nem um show de “stand-up” cristão.
Sou
pregador, esse é meu chamado. Preparo-me para expor a Palavra de Deus
dominicalmente e o faço com cuidado e amor. Todos esperam esse momento tanto
quanto eu. Mas Deus sabe que não me arrogo a pensar que serei o protagonista do
que há de melhor no culto.
Como
disse A. W. Tozer, “é difícil levar uma pessoa a lugares onde a única atração
seja Deus”. Enquanto Deus não for a única atração em nossos cultos, não
estaremos, de fato, prestando culto à Deus.
SÉRGIO
MARCOS
(*)
Frank Viola e George Barna – CRISTIANISMO PAGÃO? – Abba Press - pág.
148